6.2.09

liberdade


"... andei até à 4ª classe num colégio privado, considerado, principalmente na época, revolucionário tanto de gentes como de método, mais ou menos o método que segue a corrente da escola moderna. quando falo nisto a pessoas um bocadinho mais formatadas-clássicas-(betas)-que-se-querem-modernas-na-moda-faschion, costumo referir que comigo, entre outros, “famosos” mas mais alternativos, estava a margarida pinto correia, aquela, casada com o luís represas e que está neste momento à frente da casa do gil – projecto de apoio a crianças. normalmente quando me sabem enquadrada assim, sossego alguns preconceitos quanto a uma possível minha medida mais estranha e posso então explicar o privilégio e a sorte de ter andado numa escola assim. cresci então num ambiente, pensava eu na altura ser o único, em que todos os gestos dos crescidos, todo o projecto educativo, que ia muito além da aquisição de conhecimentos, se tornaram nas minhas maiores referências e recursos pessoais, até hoje. o princípio subjacente a tudo era o da tolerância, mas acima de tudo da responsabilização de nós próprios sempre em interacção com os outros. partindo do pressuposto que um ser humano tem um determinado potencial, seja ele qual for, a par da sua própria complexidade e da interacção com o meio que o rodeia, a pessoa que está ao nosso lado saberá sempre qualquer coisa mais do que nós e nós mais do que ela. e visto por este modo é tudo muito simples. imaginemos uma criança que tem muita facilidade em matemática (as razões podem ser várias), ao lado está o colega que aparentemente tem sempre muitas dúvidas e dificuldades. assim de repente, vemos um potencial miúdo com possibilidades de no seu percurso conquistar etapas úteis para a sua vida, elogiado pelos professores, reforçada a sua auto-estima, facilitadas conquistas e “poderes” futuros, etc. depois olhamos para o outro na medida inversa. agora imagina que os miúdos têm 6 anos e que estão no recreio. um estagiário resolve fazer um jogo em que estão todos numa roda (estou a inventar :)), começam por escolher um tema ou uma tarefa, e depois à vez, cada um vai ao centro executar essa tarefa, uma representação, o que for. desta vez alguém escolheu: - desapertar e apertar um atacador do sapato! – um a um começam a ir ao centro orgulhosamente e numa excitação exibir a sua recente habilidade (têm 6 anos…). entretanto o poderoso-da-matemática durante minutos eternos e com pensamentos rápidos de quem é bom em cálculos, tenta decidir o que fazer: visto não saber ainda atar os atacadores; não querer expor-se aos outros nessa medida frágil; não querer sentir a frustração, a vergonha e o pôr em causa da sua própria medida. a pressão é enorme, e embora o tema atacador seja aparentemente menor do que o da matemática, ele com 6 anos não sabe disso nem pode saber. a verdade é que a sua construção como pessoa (sempre em interacção com os outros) depende e constrói-se também ali e em momentos e medidas assim. dois desfechos, pelo menos, são possíveis: - não gosto deste jogo! e foi-se embora, perdendo tudo o que a experiência lhe poderia acrescentar, mesmo que no superar dificuldades. ou então corajosamente vai ao centro, não admitindo a sua “fraqueza” e tentando ali mesmo fazer o seu primeiro laço. neste caso nem interessa se conseguiu ou não, porque existiu sempre, “a carga” de todo o jogo, de todos os olhares, na leitura que afinal de contas ele fez dele próprio. quem diria, um simples atar de um atacador… (para o que me havia de dar… até parece que tenho tempo :)). na escola onde eu andei os elogios sobravam sem tabus nem temas preferidos. e éramos todos “iguais” em potencial, um a um, num todo comum, na sociedade. mas ainda não falei da responsabilização, pegando no exemplo anterior, vemos novamente o craque-a-matemática (agora na escola onde eu andei), reparar no craque-do-atacador: - o que foi? não consegues fazer? não percebes? é muito fácil, queres ver? blá, blá, blá. não é certo que o craque-do-atacador passe também a craque-da-matemática, mas certamente leva dali um bom momento de partilha, quem sabe de tira-dúvidas, porque explicado por uma criança que fala como ele, e de certo um amigo (tantos certos, já viste?). entretanto no jogo do atacador o craque-da-matemática, porque acima de tudo se sente bem, sem demasiada pressão, faz uma careta, e ainda que um bocadinho nervosa, cómica, enquanto caminha para o centro ri e diz: - acho que se calhar não vai ficar muito bem… e começa a tentativa… o craque-do-atacador também se ri e numa irreverência saudável naquele recreio, decide adaptar as regras do jogo às circunstâncias e ensinar o craque-da-matemática a fazer o que melhor sabe. ganha um que é bom no atar e ganha o outro que fica a saber como fazê-lo na próxima vez. ganha um na capacidade do assumir do gesto e portanto protagonista do momento, ganha o outro na capacidade em receber ajuda sem que a sua medida possa ser posta em causa. não somos todos iguais, claro está e eu pela vida fora, acabei por muitas vezes ser apanhada de surpresa por medidas que não sabia sequer quantificar ou qualificar. mas a verdade é que mais do que através das palavras que dizemos ou ouvimos, é através da linguagem dos gestos que vamos muitas vezes, validar ou sossegar os medos as dissonâncias na construção de nós próprios, na construção dos nossos filhos. e agora, porque acima de tudo acredito que é na partilha que nos vamos construindo sempre pela vida fora, vou dizer-te o que penso e sinto enquanto mãe/pai (um resumo :)). devo dizer, antes do mais que nem sempre consigo pôr em prática e ser coerente nos gestos em relação a tudo em que acredito e defendo. sou obviamente carregada de dificuldades tal como outro ser humano qualquer. mas acredito e consigo na maior parte das vezes num exercício de puro amor, colocar-me fora da equação e olhar para os filhos como seres humanos, cheios de potencial e de sonhos próprios e completos na sua complexidade de que fazem parte também sensibilidades, fraquezas, medos e inseguranças que devemos acima de tudo ajudar a ultrapassar. na maior parte das vezes, permitindo mais com os gestos e o olhar, que “fracassem” sem se amachucar, mas que avancem no tentar e no conquistar. a verdade é que podemos influenciar, TANTO! é um poder que na maior parte das vezes me assustou, tal a responsabilidade que lhe reconheço. costumo dizer, a propósito de feitos atrás de feitos (aqueles mais óbvios aos olhos da sociedade), das minhas filhas e que também a mim, obviamente me enchem de orgulho, que o meu grande mérito foi o de não ter “estragado” a medida que sempre foi a de cada uma delas. o poder de um pai/mãe, não está nas palavras, embora muitas vezes sejam as palavras que mais recordamos, mas sim na linguagem corporal no dizer de tais palavras, que as tornam verdadeiras e válidas no nosso sentir e por isso a vontade e força para as experimentar. é difícil, tão difícil… controlarmos os nossos próprios limites e sonhos nessa tal linguagem subliminar e ao abrir mão do nosso poder de adultos, permitirmos que um qualquer outro poder se construa, ajudado neste gesto de amor para com os filhos. a capacidade de acreditar na medidas deles, na verdade, no melhor que puder ser".